terça-feira, 31 de agosto de 2010

15/08 a 22/08 - A Venezuela que a gente não vê


Por Carlos
[Meus textos aqui estão um tanto generalistas, mas a proposta é fazer um resumo que atenda a todos os leitores (risos) e dê conta do tempo que temos para fazê-los...]

Venezuela hoje é um território de solo fértil. Alguns dizem que é ditadura, mas esquecem que o presidente foi eleito por maioria esmagadora em um processo que nunca havia sido visto. Na TV, chamam Chavez de louco e afins, e precisava ir até a Venezuela para desmitificar mais uma historinha contada pela mídia hegemônica (Globo, SBT, Record, e suas similares espalhadas pelo mundo).
O que vi foi um país que está a empoderar – de fato – o povo pobre. Os Consejos Comunales, por exemplo, constam em leis e em práticas e estão sendo criados pelo próprio povo para gradativamente assumir as responsabilidades comunais a ponto de sobreporem-se à velha estrutura atualmente em cambio, que primava pelo poder de poucos. Assim, o povo venezuelano experimenta a oportunidade de exercer seu direito de governar e bons frutos começam a surgir.
No estado, há uma diretoria, dentro do ministério de comunicação e informação, dedicada à comunicação comunitária. Fomos até lá para conversar com eles e entender melhor. Explicando, não há apenas um projetinho bonito, mas sim um setor ministerial com autonomia de ação e verba destinada, que serve para fornecer estrutura técnica e formacional para as comunidades que têm ou pretendem ter um meio de comunicação próprio.
Com ou sem essa ajuda, propostas de comunicação brotam. A Rádio Rebelde é uma pequena rádio comunitária que atua como aglutinadora da população local, fazendo mais do que programas em áudio, mas estimulando outras ações colectivas.
A Catia TV é um exemplo fabuloso. Com sinal no satélite Simon Bolivar, transmite audiovisuais feitos pelas comunidades. Mas isso é uma parte do trabalho, já que trabalham com capacitação tecnica e política, emprestam equipamento, disponibilizam suporte para produção e edição e canaliza as produções. Seu prédio, antes abandonado, hoje transborda de vida e de criatividade. A Alba TV ainda não tem sinal, mas seu projeto vai além, mais preocupada com produzir e difundir, amarrando uma rede de relações entre movimentos sociais e comunidades latinoamericanas.
Nos disseram no Brasil que aqui há censura. Mas como pode haver censura em um país em que a ala conservadora, atual oposição, pode discordar e acusar membros do executivo e do legislativo de maneira brutal todos os dias, o dia todo, em rádio, TV e impresso? Sim, tomei café da manhã vendo TV e li os jornais.
Assim como li o Correo del Orinoco, um diário de apenas um ano de vida mas capaz de disputar a leitura nas bancas com os hegemônicos, trazendo um preço mais acessível e tendo como protagonistas de suas reportagens gente que até então não sabia ler e sua opinião era ignorada.
Tudo isso em um contexto de custo de vida alto na capital Caracas e cambio desfavorável, que lembra São Paulo em seu caos, mas que não leva o país a centralizar o dinheiro na mão de poucos como estes gostariam, mas sim de distribuir entre todos. Mas ainda há muita desigualdade a ser superada.
Perfeito não é, tanto que os próprios meios que defendem a revolução bolivariana (uma versão de revolução) em curso fazem suas críticas pensando em avançar ainda mais, mas prudentes em apontar que é apenas o começo e que nunca tiveram tanta oportunidade para trabalhar.
E hoje já há solo fértil, que permite também a existência de um instituto de formação em agroecologia latinoamericano, gestionado pelos movimentos sociais da Via Campesina, que terá em 2 anos sua primeira turma de engenheiros graduados (brasileiros, paraguaios, colombianos...), que aprenderam como é possível trabalhar a terra sem químicos industrializados, para servir de fonte de alimento para a população.
Sobre lugares como a Venezuela, só estando lá para ver, pois afinal, assim como a revolução, o que ocorre lá não será televisionado no Brasil.

-PS1: Ficamos devendo links de internet sobre todas essas experiências.
-PS2: Estamos tirando muitas fotos sempre que podemos, mas não temos conseguido selecionar para postar. Aguardem! Por hora, postamos uma de Cuba no texto anterior e uma de Venezuela neste.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

4/08 a 14/08 - Um pouco de Cuba (parte 2)



Por Larissa Laurelli

Muitas foram as vezes que me inspirei em Cuba, que refleti e me imaginei escrevendo sobre cada sensação que este belo país gerou em mim. Talvez porque percorremos largos quilômetros, a maior parte deles durante o dia (pela pouca quantidade de ônibus por dia). Outras vezes, influenciada pelos dizeres revolucionários que há por toda parte, ou a partir dos livros que tentei ler no caminho (já que o preço e os temas dos livros cubanos nos fizeram comprar uma soma de 5 livros, que não foram mais apenas pelo peso que é carregar-los).
Entretanto, deixamos boa parte das nossas coisas em Havana e por cerca de cinco dias tivemos o deleite de viajar com pouca bagagem, sem computador, sem acesso à internet e sendo acolhidos pelos arrendadores divisas (casas particulares que alugam quartos). Por conta disso, quase nada foi escrito ou postado até o momento.
Em Havana ficamos na casa de Mirtha e Jorge, que contataram amigos nas demais cidades. A cada vez que chegávamos, alguém nos aguadava com plaquinhas com nossos nomes. A parte negativa é que muitas vezes nós que tínhamos que pagar o taxi, e sempre começávamos a conversa reclamando do frio que fazia no ônibus por conta do ar condicionado.
De inicio Cuba nos impactou pelas duas moedas e chegamos a ficar preocupados de que não aceitassem nosso dinheiro ou que se aproveitassem da nossa inexperiencia com o cambio... Em seguida me chamou a atenção o aviso de que teríamos que tomar cuidado com os espertinhos que querem trocar dinheiro e oferecer coisas, mas que nunca teriam armas ou coisas do tipo. E realmente vimos alguns desses tipos, muitos oferecendo lugares para jantar e charutos a preços mais baratos. Algumas vezes nos pediam dinheiro no final, ou sabonete, mas não vendiam coisas (vimos alguns poucos casos) porque é proibido, realidade muito distinta do México...
A ilha estava de férias...não apenas férias escolares, mas de muitas áreas, pois valorizam que as famílias possam ficar com os filhos nesse período. Além do mais, nos disseram que alguns setores trabalham apenas um período para poupar energia, e nos demos conta de que não há apenas uma falta de produtos, mas também uma política de economia dos recursos naturais e de aumentar a durabilidade dos produtos, coisa que está do avesso nos países capitalistas, que se preocupam em fazer coisas cada dia mais descartáveis.
A revolução se faz a cada dia, está na ação e no discurso de cada um nas ruas. Os valores socialistas e humanitários são transmitidos tanto na escola quanto na grande oferta cultural da ilha. Dia 13 de agosto, dia do aniversário do Fidel, vimos uma atividade que me marcou muito: uma apresentação de balé em uma praça. O objetivo da apresentação era justamente o de decodificar o balé, de ensinar às pessoas a linguagem do balé para que pudessem praticar e apreciar.
Conversamos com uma senhora muito simpática (como praticamente todos que conversamos) que trabalha no Ministério de Educação, chamada Olga Franco. Através dela vimos que a educação popular está no centro da política do ministério e compreendemos um pouco como são transmitidos determinados valores; como os materiais pedagógicos são revisados; como a educação está ao acesso de todos, independentemente da idade e do nivel educativo.
A educação foi uma das primeiras questões a serem investidas pelo governo depois do triunfo da revolução em 1959. Já em 1961 o analfabetismo de nivel primário foi erradicado.
Entretanto, como a contradição está presente até em Cuba, vimos, por exemplo, grandes debilidades na infraestrutura e conceitos dos museus, o que revela que a educação informal, a que tivemos mais acesso nesses 10 dias, ainda pode melhorar muito. Alguns museus, como o da Revolução em Havana e o do Quartel de Moncada em Santiago de Cuba são bastante elaborados, e nos fizeram ter uma idéia muito clara do processo revolucionário, principalmente entre 1953 (tentativa de tomada do Quartel de Moncada) e 1962 (crise dos mísseis), ou seja, entre o princípio e consolidação da Revolução. Outros eram extremamente simples, principalmente os monumentos coloniais e referências ao processo de independência. Tive a impressão de que a história colonial é menos contada que a independência e a revolução, e que a história da independência tem mais peso do lado oriente da ilha, onde foram fundadas as primeiras cidades e onde despontou o movimento independentista.
Também falamos com algumas pessoas responsáveis pelo Patrimônio Cultural da cidade de Camaguey, que exaltaram bastante o cuidado pelo patrimônio e história do país. Também falaram de quanto os museus estão integrados com a educação formal dada nas escolas. Com elas conseguimos trocar algumas experiências do Brasil, o que foi muito interessante. Entre entusiasmos e decepções, entramos em todos os museus que o tempo e a quantidade de CUCs no bolso deixaram.
Na última noite da nossa viagem, outra vez na casa de Mirtha e Jorge, esta senhora nos surpreendeu. Primeiro nos disse que começou estudando jornalismo, mas acabou se formando em História. Depois de que vinha de família burguesa, que alguns parentes saíram do país com a revolução, mas que sua mãe também era revolucionária e que sempre lhes ensinou valores distintos do que se prega no capitalismo. Além disso, afirmou com grande convicção que não sente a menor falta das grandes lojas que haviam em Cuba antes da revolução, nem da suntuosidade que teve a oportunidade de conhecer em alguns países da Europa. Sim ficaria feliz com mais diversidade na alimentação, mas apenas se isso fosse para todos.
Mirtha nos falou da grande confiança que tem nos jovens, e de quanto eles têm compreendido o processo revolucionário, dando continuidade ao que já vem sendo feito. Isso me deu ainda mais certeza de que a revolução seguirá com ou sem Fidel, com ou sem bloqueio. E esperamos que estes frutos sejam colhidos também fora da ilha. As sementes já estão sendo plantadas. Próximo destino? Venezuela...

¡Hasta la victória, siempre!

4/08 a 14/08 - Um pouco de Cuba (parte 1)

Por Carlos Gimenes

“E então, era isso que você esperava?”


Minha expectativa foi sanada porque tinha em minha mente linhas gerais sobre o que é Cuba. Dez dias e cinco cidades depois, as linhas estão mais definidas e detalhadas, mas a premissa de reconhecimento breve dos lugares e que é necessário muito mais tempo para de fato entendê-los não só está presente como se torna cada dia mais óbvia. De todo modo, com esta viagem novos elementos compõem meu entender sobre a nossa Latinoamérica.
Elencando temas rapidamente temos:

Hambre
Senhoras e senhores, o assunto é sério: não há fome. Não nos moldes como conhecemos no Brasil, vimos no México ou imaginamos em outras regiões que estão mais fundo na latrina do planeta.
As pessoas aqui têm uma longevidade invejável e são visivelmente saudáveis. Com salários fixos e a libreta nas mãos, vão até as tiendas e compram uma cota mínima necessária a que têm direito. Para boa parte dos que conversamos, a cota não expressa toda a necessidade (e nas declarações do Estado também se fala dessa defasagem), mas garante a despreocupação com a sobrevivência. Onde se têm isso? Suíça não vale.
As melhores definições que ouvimos sobre o que se tem como mínimo necessário, incluiu arroz, carne, tabaco, vianda, café e flores.
Ainda assim, nas lanchonetes nao faltam os bocaditos (lanches simples de presunto, queijo e choriço) e as pizzas dos mesmos sabores. Somem também o prato presente em qualquer lugar: espaguetti. Batatas? Aqui, faz parte da alimentação básica as chamadas Viandas, que a nós pareceram uma boa batata-doce. Mas somos mal acostumados e sentimos um pouco de dificuldade para nos adaptarmos à falta de opções (ainda mais com uma companheira vegetariana...)

Dinheiro
Se nosso mundo é cheio de contradições, vejam esta: aqui, país socialista, temos duas moedas. Demora para conseguirmos raciocinar como os cubanos, que já estão bem acostumados.
Em um resumo grosseiro, há a moeda nacional, o peso cubano, que é usada por eles. É com ele que compram seus víveres, pegam ônibus e tudo mais.
Para os estrangeiros e para as compras que fogem do básico, há os CUCs. A moeda convertível é a únicas que nós podemos usar oficialmente. Falemos de parâmetros? Saquem papel e lápis!
- 1 CUC equivale a aproximadamente 24 pesos cubanos.
- Porém, para quase toda compra de turista o peso vale o dobro. Ou seja, 1 CUC equivale a algo como 12 pesos.
- O CUC é mais caro cerca de 10% do dólar (como 1 – 0,9). Sim, ele vale mais! Já para o euro, a referência inverte em quase 3 para 1. Enfim, gringo paga a mais porque tem mais a pagar e nós entramos no mesmo balaio.
- Poder de compra? Com 1 CUC você compra um ou vários livros, ou um a dois refrigerantes nacionais deliciosos (talvez menos de um, dependendo do lugar); ou uma pizza individual de queijo; toma uma cerveja em lata (Um adendo rápido: as duas cervejas populares daqui, Cristal e Bucanero, são gostosas); ou com mais 50 centavos toma um bom mojito em Santa Clara.
- Curiosidade: Com 1 peso cubano (1/24 de CUC) se pode assistir a uma partida de beisebol, um dos esportes mais populares por aqui, no estádio de Camaguey. Pena que a temporada só começa em novembro.

Bloqueio
Não duvidávamos, mas só os cubanos sabem o que é para a vida deles o bloqueio econômico. Há produtos que seriam corriqueiros no Brasil, mas que aqui não estão sobrando nas prateleiras, caso dos sabonetes, pastas dentais, papel, etc. Ainda assim, não falta material escolar e a criatividade brota para improvisar de tudo.
Ao invés de dezenas de opções de bonecas falantes em um shopping, não há brinquedos importados, mas segundo uma amiga, faz sucesso os brinquedos mais simples. Que tal uma boneca de trapo linda e resistente ao invés de uma com cabelos lisinhos que, acabando a bateria, é descartada?
A saúde daqui é exemplar. Cirurgias e tratamentos caríssimos em outros países, aqui saem de graça (literalmente). O mundo recorre a Cuba por seus avanços na medicina, mas se nega a liberar a compra de alguns medicamentos escassos, por exemplo.

Revolucionários
Não entrevistamos uma pessoa revolucionária na rua. Convivemos com uma ilha repleta delas. Claro que, como em todo lugar do mundo, tem gente boa e má, que quer tirar proveito do outro e principalmente do turista. Aqui não é diferente.
Mas há gente, no balcão trabalhando, recebendo você em casa, sentada na praça a descansar e que, no meio de um papo distraído, passa a analisar a política mundial com argumentos muito pertinentes. Aqui, formação política e educação são direito adquirido de fato por todos.
Não só no discurso, percebe-se na ação os valores igualitários e socialistas que tanto emanam. E mesmo com todas as dificuldades, se orgulham de sua história, se sua revolução e de seu povo. E de Fidel!
Sim, o homem é um ícone e referência para todos. Ainda bem que é alguém lúcido e com valores que, ao que parecem e nos dizem, não mudaram com o tempo, mas sim se fortaleceram. Confiar demais em uma pessoa tem suas debilidades e o que isso gerará no futuro é uma incógnita. No entanto, vemos que aqui não há uma ditadura como dizem. Todos participam e atuam para construir e reconstruir a revolução todos os dias. A revolução não é só Fidel, mas tem muito dele.
Se erraram em algo? O que sei é que temos muito que aprender com eles.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

28/07 a 3/08 - De Chiapas a Cancun (rumo a Cuba)

Por Carlos e Larissa.





Como vivenciar Chiapas intensamente, mudar algumas vezes de cidade com a mala nas costas (nos braços, dorso, cintura...) e ainda ter tempo de registrar e postar algo? Como encontrar palavras para falar de uma mistura de um passado pré-hispânico envolvido pela selva com uma realidade dura e crua de exército nas ruas e murais zapatistas? Como acostumar-se com o sol ardente e a chuva abundante, as noites mal dormidas, os transportes coletivos de todos os tipos e a comida picante?

Não poderemos falar de tudo que vivemos estes dias algumas horas antes de ir pra Cuba, em um lapso no tempo que chamamos de Cancun. Um dia para respirar e dar uma de turista... Mas nos desanima ver turistas gringos pagando ônibus com dólar e praias cercadas por hotéis que limitam seu acesso e monopolizam todas as sombras existentes, alugáveis a quem pode, não a quem quer... um lugar para tomar uma ducha? Só para hóspedes...





Nossos sonhos frutificam muito mais em terras chiapanecas, caminhando no sol ou na chuva junto a lutadores do povo. Mas sim, o mar daqui é realmente e absurdamente azul e seu desfrute ainda não foi privatizado. Ainda.

Se nos perguntarem o que aprendemos na semana Chiapas de nossa jornada, dois verbos virão: "procurar e esperar". A aparência contraditória se quebra e a mistura é necessária para enfentarmos e imergirmos na realidade deste pedaço de mundo, nos livrando de construções pré-fabricadas e paradigmas, que se desdobram quando já tudo parece certo e definido.

É neste instante que surge uma barreira, um portão fechado e a vontade de trocar o diploma de jornalismo e o rosto de turista por um taco de nopales. E lá estamos nós em um pau de arara lotado de gente e mercadoria, falando em línguas indígenas muito além de nosso alcance. Então outros portões se abrem, de um jeito bom que não esperávamos.

Respostas. Quem procura, quer respostas, ou novas perguntas. As nossas tem surgido das maneiras menos óbvias, que nos fazem reavaliar o significado da procura e a necessidade da espera, que exagerada nos leva a quase perder o passo seguinte, mas que ao mesmo tempo nos serve de resposta, exatamente como não esperávamos.

Convidamos aos que lêem a fazerem uma marcha diferente. Sem carros de som e bandeiras de pano. A chuva caindo, hora fraca, hora forte. Os passos sempre constantes e ritmados por uma música entoada em silêncio, reforçada pelo som das águas. Uma marcha que tem objetivo certo, mas resultado incerto. Caminhar para chegar a algum lugar em que se precisa estar. Não sozinho, nem com qualquer um, mas com companheiros que antes tão longe, agora estavam ali, passo a passo, erguendo bandeiras de solidariedade entre os que lutam, persistentes e olhando sempre para frente.

E então começamos a entender o que o caracol nos disse todos estes dias: Lento, porém avanço.